quarta-feira, 12 de novembro de 2014

BIOGRAFIA DO EXCEPCIONAL COMANDANTE EMILIO BONFANTE DE MARIA


O magnífico Comandante dizia: “prefiro as lágrimas da derrota à vergonha de não ter lutado”. Exemplo para o sindicalismo, ele afirmava: “Sou um velho lobo do mar que não sabe contar histórias, mas tenho algumas coisas para transmitir às novas gerações”.

Emílio Bonfante Demaria nasceu em Florianópolis, Santa Catarina, em 16 de julho de 1923. Filho do funcionário público municipal Emanuel Bonfante Demaria e da dona de casa Bonifácia Gonçalves Demaria, transferiu-se, ainda menino, em companhia dos pais e dos cinco irmãos, para Itajaí, cidade portuária catarinense, onde viveu até os 17 anos.

Ali, o jovem Emílio iniciou sua formação profissional e ideológica e deu partida a uma trajetória marcada pelo exemplo de coragem e integridade e por realizações que são, até hoje, consideradas emblemáticas para o sindicalismo brasileiro.

A atração de Emílio pela vida marítima começou cedo. “Talvez pelo fato de eu ter nascido numa ilha”, costumava dizer. Aos 17 anos, participou de um concurso promovido por empresas de navegação, foi aprovado e tornou-se praticante de piloto. Mudou-se, depois disso, para o Rio de Janeiro, com o propósito de prestar exame na Escola de Marinha Mercante e, assim, realizar o seu maior sonho até então: trabalhar como segundo piloto.

O ano era 1941. Ainda como praticante de piloto, foi chamado para embarcar no navio São Paulo, de propriedade da Companhia Comércio de Navegação. A viagem, iniciada no Rio e que tinha como destino o Nordeste, terminou antes da hora para Emílio. Encerrou-se quando o comandante do São Paulo recebeu a ordem para desembarcá-lo imediatamente. O motivo: no exame médico a que se submetera no Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos, fora constatada uma deficiência circulatória – “veia aorta alongada no sentido longitudinal” -, a qual o fazia inapto para vida marítima. Emílio perguntou-se se aquele seria o fim de seu sonho.

No Rio, foi tratar a doença. “Você quer mesmo ser oficial de náutica?”, perguntou o médico, impressionado com a obstinação demonstrada pelo jovem marítimo. “Sim”, foi a resposta de Emílio. “Então vou te ajudar”, prometeu o Dr. Joubert. Prometeu e cumpriu. De volta à casa dos pais, em Itajaí, Emílio seguiu com rigor as orientações do médico - de quem ganhou os remédios necessários ao tratamento - e curou-se.

De volta à casa dos pais, em Itajaí, Emílio seguiu com rigor as orientações do médico - de quem ganhou os remédios necessários ao tratamento - e curou-se

Certo dia recebeu o convite de um colega baseado no Porto de São Francisco do Sul para substituí-lo como praticante de piloto. Emílio aceitou e, desta forma, conseguiu completar seu estágio. Prestou exames para segundo piloto na Escola de Marinha Mercante, no Rio. Foi aprovado, finalmente. Seu primeiro embarque, na nova função, ocorreu em um navio da Companhia Costeira.

Daí em diante, Emílio entregou-se com paixão à vida no mar. Não fez isso, entretanto, de forma individualista. Ao contrário. Com as lembranças muito vivas das primeiras experiências políticas em Itajaí e no Rio, onde teve contato com companheiros atentos a questões sociais, grande parte deles ligados ao Partido Comunista, dedicou-se, desde cedo, a contribuir para a educação e o progresso profissional dos colegas marítimos.

Chegou, porém, o dia em que o Brasil declarou guerra à Alemanha e seus aliados, em virtude do torpedeamento de navios brasileiros no Atlântico. A União Nacional dos Estudantes desempenhou importante papel nessa reivindicação. O momento era de ebulição. Os ânimos do país (e do mundo) estavam exaltados, como não poderiam deixar de estar. O diálogo com o Governo federal teve momentos de tensão e violência. Foi nesse momento da vida nacional que Emílio "sentiu patas de cavalo pela primeira vez".

Emílio atuou em comboios na Segunda Guerra Mundial, durante a qual 30 navios da Marinha Mercante foram torpedeados. No total, 469 tripulantes e 458 passageiros foram mortos. A Marinha Mercante teve mais perdas do que todas as forças armadas somadas.

Terminada a guerra, Emílio, ex-combatente condecorado com a Medalha de Três Estrelas e do Mérito de Guerra Naval, deixou Paranaguá, no Paraná, onde estava baseado, e transferiu-se para o Rio. Foi quando começou a travar outros tipos de batalha que iriam se apresentar muitas vezes em sua vida dali para frente. Preocupado com a situação salarial dos companheiros da pequena cabotagem, foi um dos líderes da organização, no Cais 18, de uma comissão destinada a negociar com as empresas melhores salários. Ao viver intensamente esse episódio, Emílio convenceu-se de que precisava participar de maneira mais ativa e constante da atividade sindical. Fez isso, desde então, com toda a energia e bravura que lhe eram características.

A partir disso, Emílio protagonizou uma atuação sindical que se tornou referência no Brasil. Foi presidente do Comando Geral da histórica - e vitoriosa - Greve Nacional dos Cem Mil Marítimos, em 1953, na qual foi conquistada a equiparação salarial entre as diferentes categorias de trabalhadores do setor. A Marinha Mercante parou totalmente. A repressão da polícia e das forças armadas foi extremamente violenta. Emílio foi preso e torturado.

Eleito presidente da Federação Nacional dos Marítimos e Classes Anexas não foi empossado pelo Ministério do Trabalho. Membro da Associação Brasileira de Imprensa, fundou, em 1953, o jornal sindical Orla Marítima e foi seu diretor-presidente até o jornal ser interditado pelo golpe militar de 1964. Eleito presidente do Sindicato Nacional dos Oficiais de Náutica da Marinha Mercante, em 1954, novamente não conseguiu ser empossado pelo Ministério do Trabalho. Como candidato a deputado federal pelo Rio de Janeiro, foi preso, durante comício em Campos, e não se elegeu porque o Tribunal Regional Eleitoral cassou o registro de sua candidatura um dia antes da eleição.

Sem jamais abrir mão de suas convicções e de seus ideais (porque, como costumava dizer, “prefiro as lágrimas da derrota à vergonha de não ter lutado”), Emílio foi em frente e fundou o Pacto de Unidade e Ação (PUA) dos Marítimos, Portuários, Estivadores e Ferroviários. Destacou-se na Luta de Emancipação Nacional de Defesa da Marinha Mercante Brasileira, de Defesa do Petróleo e de Defesa dos Minérios.

Pela Federação Nacional dos Marítimos, foi eleito assessor sindical para Assuntos da Marinha Mercante do Presidente da República, João Goulart. Em abril de 1964, foi preso e novamente torturado.

Ainda em 1964, foi demitido da Companhia Nacional de Navegação Costeira, quando, como capitão de longo curso, comandava o navio Rio Iguaçu. Teve seus direitos políticos cassados pelo Ato Institucional nº 1. Em 1969, foi condenado a quatro anos de prisão, no Rio de Janeiro. Em razão disso, exilou-se na Rússia, de 1969 a 1971. Durante esse período, vivendo em Moscou, estudou economia política, história do movimento operário, teoria e tática do movimento operário e psicologia social. De volta ao Brasil, foi preso e torturado, juntamente com sua esposa, em São Paulo. Condenado a mais quatro anos de prisão, em 1976, foi finalmente anistiado em 1978.

“Amo a vida. É o maior bem que existe. O objetivo deve ser sempre melhorar a vida para que as pessoas possam melhor usufruir desse bem”, não cansava de repetir o comandante Emílio Bonfante Demaria.

No dia 29 de outubro de 1999, pouco mais de 10 meses depois da morte de Emílio, ocorrida no dia 18 de fevereiro, era inaugurada a nova sede do Sindicato Nacional dos Oficiais da Marinha Mercante – SINDMAR –, na Avenida Presidente Vargas, Centro do Rio de Janeiro.

A “nova casa dos oficiais da Marinha Mercante”, como a chamam os associados do SINDMAR, recebeu o nome de Comandante Emílio Bonfante Demaria. Na solenidade de inauguração da nova sede, a viúva de Emílio, Rosemaria Bonfante, emocionada, descerrou a placa que homenageia o marido.

Fonte: sindmar

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